Entidades elaboram abaixo-assinado contra liberação dos agrotóxicos

O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. Estudo da Universidade de São Paulo (USP) coloca o país como o campeão mundial no uso de pesticidas na agricultura. Nocivos a quem consome alimentos com resíduos extras, ao trabalhador rural que sofre com intoxicação e às abelhas que não sobrevivem a certos tipos de pulverização, os produtos estão sendo liberados em ritmo preocupante desde o início do ano.

O cenário tem alarmado ONGs ambientalistas, profissionais de inspeção sanitária e consumidores assustados com os efeitos de um exagero de substâncias decorrente da liberação crescente dos agrotóxicos. Somente no mês passado, o Ministério da Agricultura validou 42 produtos, em maio foram 31, sendo três diretamente associados à sobrevivência das abelhas – apicultores reportaram a associações, secretarias de Agricultura e pesquisadores universitários a morte de meio bilhão de abelhas num período de três meses.

O registro dessas substâncias vem em tendência de crescimento nos últimos anos. Conforme números do Ministério da Agricultura, o total de produtos aprovados foi 277 em 2016, 405 no ano seguinte e 450 no ano passado. E a soma aprovada na primeira metade deste ano gerou ainda mais preocupação, levando à formação de uma mobilização da população contra o chamado “pacote de envenenamento”. Mais de 143 mil pessoas apoiam petições online criadas na plataforma Change.org contra essa onda crescente de agrotóxicos no país.

Um dos abaixo-assinados foi aberto por Augusto Kluczkovski Junior, que é doutor em Ciência de Alimentos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e um dos membros do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), coordenado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A petição de Kluczkovski se manifesta contra o Projeto de Lei 6.299/2002, que tramita no Congresso Nacional e visa flexibilizar a Lei Federal de Agrotóxicos (nº 7.802/89). O PL ficou conhecido como “Pacote do Veneno”.

“O abaixo-assinado foi um consenso entre os profissionais de vigilância sanitária da Anvisa e de 26 unidades federativas presentes no encontro [do Para] ano passado. Pois esse PL favorece um afrouxamento muito grande que fragilizaria muito mais um sistema que já é frágil”, explica o autor da petição. Kluczkovski trabalha na vigilância sanitária do Amazonas e faz parte de programas de combate a agrotóxicos no Estado e a nível federal.

O inspetor sanitário chama a atenção para a falta de necessidade de se ter um modelo com tantos agrotóxicos e relaciona a questão às empresas fabricantes dos produtos. “Como profissional de vigilância sanitária e como militante da saúde, meio ambiente e agropecuária, vejo com muita tristeza que estamos literalmente nos matando para concentrar o dinheiro na mão de poucas corporações. Perdemos nossa identidade como agricultores só executando pacotes prontos ligados a grandes corporações para consumir seus insumos”, desabafa.

Apesar da aceleração no ritmo das autorizações de pesticidas, o profissional de vigilância sanitária, que faz inspeções de alimentos em supermercados, feiras e outros estabelecimentos, pondera que a gravidade maior se concentra nos resíduos de substâncias além do limite encontrados nos alimentos. Segundo o inspetor, no Brasil, os chamados Limites Máximos Residuais (LMR) são mais altos que em outros lugares, além disso, o país mantém em mercado princípios ativos que já foram banidos de outros países devido à alta toxicidade.

“Tiro no pé”

Kluczkovski explica que a maioria dos produtos recentemente registrados não é de substâncias novas, mas do mesmo princípio ativo de outras já autorizadas. Neste caso, o que muda é o rótulo, ou seja, o nome comercial do pesticida, já que ao término do prazo de patente das empresas fabricantes, outras se interessam em entrar para o mercado. “Se tivéssemos responsabilidade de uso, esse fato não seria problema, mas com poucas condições de controle e fiscalização e falta de assistência técnica por parte dos governos; com o produtor rural sendo uma presa fácil as empresas de venda de venenos, acaba sim aumentando o consumo”, diz.

A redução no preço final dos alimentos é usada como um dos argumentos dos defensores da liberação de mais agrotóxicos, já que uma maior oferta dos pesticidas levaria ao barateamento deles e consequente queda no valor dos alimentos, pois o gasto para produzi-los seria menor e a produtividade do campo, maior. Entretanto, o especialista em controle e qualidade de alimentos considera a estratégia um “tiro no pé” a longo prazo.

“Estamos barateando um insumo que é o veneno, mas encarecendo outros muito mais básicos e necessários como polinizadores e água. Existem muitos outros modelos que podem ser trabalhados. Orgânicos, biodinâmicos, sistemas agroflorestais, multiplicidade de culturas”, exemplifica Kluczkovski, detalhando que no curto prazo esses modelos alternativos parecem mais caros e limitantes, mas a longo prazo são muito mais rentáveis e produtivos.

Salvem as abelhas
“Justificamos economicamente que precisamos de um inseticida para uma lagarta no algodão, mas esse mesmo inseticida pode matar as borboletas, abelhas e outros insetos polinizadores do algodão, e sem a flor ser polinizada não conseguiremos as plumas que é o produto da colheita. Na China já observamos fotos de trabalhadores fazendo polinização de frutíferas com vassouras, justamente por não termos mais insetos”, destaca o Kluczkovski.

A escalada de mortandade das abelhas, principais polinizadores da maioria dos ecossistemas do planeta, foi o que levou o redator Vinicius dos Santos Villa, de 29 anos, a criar um abaixo-assinado pelo fim do uso de agrotóxicos à base de Fipronil, associado à morte dos insetos. Mesmo sem atuação profissional ligada ao meio ambiente, o redator abraçou a causa e conseguiu mobilizar mais de 70 mil pessoas em torno da petição, em menos de dois meses.

“O cenário que o governo atual implantou com esta política absurda de liberação de venenos é maléfica para todos os seres. A única parte que está satisfeita com isso tudo, são os grandes proprietários rurais que estão lucrando cada vez mais com o comércio de alimentos cheios de veneno para a população que, simplesmente, compra as suas frutas e hortaliças, dentre outros derivados, como os produtos derivados da soja, nos supermercados, de forma desatenta e inocente. Ou seja, tudo a serviço do lucro daqueles que já estão ricos”, desabafa Villa.

O redator, que mora em Maringá (PR), enfatiza ainda que o uso exagerado de agrotóxicos afeta sobretudo os trabalhadores rurais. “Além de ingerirem os alimentos cheios de agrotóxicos, ainda lidam com estes venenos em seu cotidiano de perto, inalando uma quantidade ainda maior de substâncias não indicadas para consumo humano”, destaca.

Villa espera que as pessoas se envolvam mais contra o que chama de “políticas a serviço de lucro irresponsável”. “Acredito que a nossa saúde e a integridade do planeta não têm preço, já que os prejuízos serão irreversíveis em poucos anos. Pensar em nosso futuro deveria ser prioridade em qualquer governo”, finaliza o redator, que é formado em Letras.

O outro lado

A equipe da Change.org Brasil entrou em contato com as assessorias de imprensa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ter uma explicação quanto ao aumento no ritmo de aprovações e registros de agrotóxicos nos últimos seis meses. A pasta considera critérios agronômicos e é responsável pelo registro de pesticidas, enquanto o segundo órgão faz a avaliação toxicológica, focando na segurança dos produtos para a saúde humana.

O Ministério da Agricultura frisou que “não tem como decidir autorizar agrotóxicos de forma isolada” já que a legislação e os procedimentos vigentes garantem que apenas produtos aprovados pela pasta, pela Anvisa e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) podem ter seu uso autorizado – cabe a este último órgão, o Ibama, a avaliação quanto aos impactos ambientais.

A nota enviada pelo ministério informa ainda “que o aumento no número de registros de agrotóxicos dos últimos três anos não representa aumento do uso a campo, pois esses mesmos ingredientes ativos já eram comercializados por outras empresas, muitas vezes sob monopólio ou oligopólio”, e, segundo a pasta, eles representam mais de 95% dos registros de agrotóxicos concedidos nos últimos três anos. O restante dos registros, conforme informado pelo ministério, “é representado pelo forte crescimento de registros de produtos para uso na agricultura orgânica e por produtos de baixa toxicidade”.

A Anvisa, por sua vez, esclareceu que vem implementando melhorias de processo para dar mais eficiência às análises, e que isso tem sido feito por meio de tecnologia, separação de processo por natureza de complexidade e remanejamento de pessoas. “Podemos afirmar categoricamente que o nível de exigência técnica e legal para este processo não sofreu alterações. A equipe responsável por esta atividade é formada por servidores de carreira com mais de 10 anos de atuação na Anvisa”, diz a nota enviada pela assessoria do órgão.

A Anvisa informou, ainda, que atualmente a fila de produtos formulados (aqueles são utilizados na agricultura) tem hoje 739 produtos, sendo 283 novos e 456 equivalentes. O órgão acrescentou que, além da avaliação toxicológica, também reavalia agrotóxicos já permitidos nos país e faz o monitoramento da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos.

Para assinar: https://www.change.org/p/pelo-fim-do-uso-dos-agrot%C3%B3xicos-a-base-de-fipronil-que-est%C3%A3o-matando-as-abelhas/psf/promote_or_share

CARTA CAPITAL

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