Coreia do Norte corre para ter bomba e EUA temem não impedir avanço

Por trás da súbita urgência do governo Trump para lidar com a crise nuclear na Coreia do Norte há um duro cálculo político: um volume cada vez maior de estudos de peritos e relatórios secretos da inteligência conclui que o país asiático é capaz de produzir uma bomba nuclear a cada seis ou sete semanas.

Esse ritmo mais acelerado --impossível de verificar até que os peritos ultrapassaram o acesso limitado às instalações da Coreia do Norte, que terminou anos atrás-- explica por que o presidente Donald Trump e seus assessores temem que o tempo esteja se esgotando. Durante anos, os presidentes americanos decidiram que cada avanço no programa da Coreia do Norte --mais um teste nuclear, uma nova variante de um míssil-- era preocupante, mas não valia um confronto que poderia desaguar em um conflito declarado.

Hoje esses avanços passo a passo da Coreia resultaram em ogivas que dentro de poucos anos poderão atingir Seattle (costa oeste dos EUA). "Eles melhoraram muito", disse Siegfried Hecker, professor em Stanford que dirigiu de 1986 a 1997 o laboratório de armas em Los Alamos, no Novo México, onde nasceu a bomba atômica. Os norte-coreanos deixaram Hecker entrar sete vezes em suas instalações.

A Coreia do Norte está ameaçando mais um teste nuclear, que seria o sexto em 11 anos. Os últimos três --o mais recente foi em setembro-- produziram explosões do porte de Hiroshima. Não está claro como Trump reagiria a um teste, mas ele disse a representantes do Conselho de Segurança da ONU na Casa Branca na segunda-feira (24) que se preparem para aprovar sanções muito mais restritivas. Segundo autoridades dos EUA, estas deverão incluir o corte de suprimento de energia.

"As pessoas colocaram tapa-olhos durante décadas, e agora é hora de resolver o problema", disse Trump.

Ele fez os comentários depois de um telefonema no domingo à noite com o presidente chinês, Xi Jinping, em que discutiram a Coreia do Norte. Xi pediu que Trump mostre "contenção" com a Coreia do Norte, segundo uma reportagem na televisão chinesa. Autoridades da Casa Branca falaram pouco sobre o telefonema, e assessores estão tentando usar a imprevisibilidade de Trump em sua vantagem, esperando que mantenha os chineses fora do prumo e detenha os norte-coreanos.

Um arsenal crescente
Na CIA, ela é chamada de "bola de discoteca".

É uma esfera metálica coberta por pequenos círculos, que o líder norte-coreano, Kim Jong-un, é visto acariciando em fotos oficiais, como se fosse sua joia da coroa. E talvez seja: a esfera é supostamente uma arma nuclear, reduzida para caber no nariz em forma de cone de um míssil do crescente arsenal do país.

Membros da inteligência americana ainda discutem se é uma bomba de verdade ou um simulacro que faz parte do vasto esforço de propaganda do país. Mas se destina a mostrar para onde a Coreia do Norte está rumando.

A menos que alguma coisa mude, o arsenal norte-coreano poderá ter 50 armas nucleares até o fim do mandato de Trump, aproximadamente a metade do arsenal do Paquistão. Autoridades americanas dizem que a Coreia sabe encolher essas armas para que caibam na ponta de um de seus mísseis de curto e médio alcance, capazes de atingir a Coreia do Sul e o Japão, onde estão mobilizadas milhares de tropas dos EUA. As melhores estimativas são de que a Coreia do Norte tenha aproximadamente mil mísseis balísticos de até oito variedades.

Mas realizar o sonho de Kim --colocar uma arma nuclear num míssil balístico intercontinental capaz de alcançar Seattle ou Los Angeles, ou um dia Nova York-- continua sendo um problema mais complexo.

Como disse Hecker --que construiu uma grande quantidade de armas nucleares-- na semana passada, qualquer arma que possa viajar tão longe teria de ser "menor, mais leve e superar as dificuldades adicionais das tensões e temperaturas" da reentrada em chamas na atmosfera.

Segundo a maior parte das estimativas, isso ainda vai demorar de quatro a cinco anos. Mas muitas autoridades graduadas disseram isso quatro ou cinco anos atrás.

O Norte chegou mais longe do que a maioria dos especialistas esperava desde o nascimento de seu programa, nos anos 1950, quando a União Soviética começou a treinar cientistas norte-coreanos no conhecimento básico da energia nuclear.

Levou três décadas para que o Norte reunisse a tecnologia necessária para fabricar seu próprio combustível para a bomba. Finalmente, de um reator em Yongbyon, ela conseguiu fabricar plutônio suficiente para produzir uma bomba atômica por ano.

A primeira crise nuclear da Coreia do Norte, em 1994, terminou com um acordo com o governo Clinton para que o Norte congelasse suas instalações de produção em troca de petróleo e reatores pacíficos. Ele desmoronou no início do governo de George W. Bush. Em 2006, a primeira explosão de teste, embora não impressionante, colocou a Coreia do Norte no clube das potências nucleares. Analistas dizem que a primeira explosão foi uma bomba de plutônio, assim como uma segunda detonação poucos meses após o início do governo Obama, em 2009.

Hecker visitou Yongbyon em 2010, e os norte-coreanos mostraram a ele uma instalação completa de enriquecimento de urânio, que as agências de inteligência dos EUA não tinham notado. A mensagem foi clara: o Norte agora tinha dois caminhos para chegar à bomba: urânio e plutônio. Hoje ela tem um arsenal feito dos dois, segundo membros da inteligência.

E está almejando algo muito maior: uma bomba de hidrogênio, com uma força destrutiva até mil vezes superior à das armas nucleares comuns. Foi exatamente o caminho que os EUA seguiram nos anos 1950.

Recentemente, investigadores da ONU encontraram evidências de que as fábricas do Norte conseguiram produzir lítio 6, um ingrediente raro necessário para fabricar combustível termonuclear. Gregory Jones, um cientista da Rand Corp., disse que o Norte pode ter usado pequenas quantidades de combustível termonuclear em suas detonações em 2016.

Uma pista potencial, segundo analistas, é que as cinco explosões do Norte na última década se tornaram cada vez mais destrutivas.

Encolhendo a bomba
Uma bomba é inútil para a Coreia do Norte --como arma ofensiva ou de dissuasão-- se o país não puder afirmar de modo convincente que tem um sistema de remessa confiável. Por isso, quando o país exibe mísseis em desfiles militares, como fez em 15 de abril, os astros do show tendem a ser os grandes mísseis destinados a alcançar Washington e Nova York. Enquanto vários mísseis balísticos intercontinentais rolaram pelas avenidas de Pyongyang, realizar um teste que prove a capacidade de voar tão longe e pousar com precisão é apenas uma aspiração, até agora.

Não estiveram na parada os mísseis de curto e médio alcance que já foram disparados com sucesso em testes de voo. As agências de inteligência dos EUA acreditam que alguns desses podem carregar armas nucleares operacionais. O mais crítico é o Nodong, que pode voar cerca de 1.300 km.

Mas os norte-coreanos estão descobrindo --assim como já fizeram os EUA, a União Soviética e a China-- que é muito mais complicado projetar um míssil intercontinental. Com esse sistema de armas, uma ogiva se deslocaria a 6,4 km por segundo e reentraria na atmosfera em chamas --por isso, se a engenharia não for boa, queimaria muito antes de atingir o alvo. Para alcançar seu objetivo, os projetistas de armas da Coreia do Norte estão tentando miniaturizar suas ogivas, tornando-as muito mais leves e poderosas.

O grande esforço hoje é combinar duas tecnologias: ter um míssil capaz de atravessar o Pacífico e juntá-lo com uma ogiva que consiga sobreviver à viagem. É por isso que os EUA estão tão desesperados para deter o ciclo de testes.

Os ataques de guerra cibernética e eletrônica que o presidente Barack Obama ordenou contra a frota de mísseis do país se destinavam a conter a curva de aprendizado da Coreia do Norte. O Musudan, que pode percorrer 3.500 km, acumulou um índice de falhas embaraçoso, de 88% --embora não se saiba quanto disso se deve a incompetência ou a interferência externa. Até que os norte-coreanos descubram o que deu errado, e como consertá-lo, parecem hesitantes em testar o KN-14 e KN-08, ambos desenhados para atingir o território continental dos EUA.

A pressão diplomática da China para deter um sexto teste nuclear no sítio de testes de Punggye-ri destina-se a impedir que os norte-coreanos avancem na miniaturização das ogivas e no projeto de uma bomba de hidrogênio. Como comentou Obama antes de deixar o cargo, até os fracassos são instrumentos de aprendizado importantes para os norte-coreanos, ajudando no processo de tentativa e erro na fabricação de novas ogivas.

Quanto tempo levarão os norte-coreanos para resolver esses problemas? O melhor palpite é por volta de 2020 --enquanto Trump ainda estará no poder.

Congelar, para quê?
A estratégia que surge da equipe de segurança nacional de Trump se resume a aplicar forte pressão à Coreia, militar e econômica, para congelar seus testes e reduzir o arsenal. Depois usar essa abertura para negociar, com o objetivo final de fazer os norte-coreanos abandonarem todas as suas armas.

Muitos especialistas, porém, acreditam que isso é uma fantasia, porque Kim considera até um pequeno arsenal crítico para sua sobrevivência. O lado positivo dessa estratégia, se funcionar, é que o "congelamento nuclear" retardaria durante anos o dia em que o Norte poderá encaixar uma arma pequena, confiável e bem testada em um míssil grande, confiável e bem testado. O lado negativo é que isso deixaria os norte-coreanos com um arsenal pequeno e potente, que os EUA estariam basicamente reconhecendo, senão aceitando.

Por isso será difícil Trump cumprir sua promessa de "resolver esse problema". E a cada dia há a possibilidade de um erro de cálculo ou um acidente.

A qualquer momento, disse Hecker em uma ligação para repórteres organizada pela União de Cientistas Preocupados, uma arma viva poderia dar em uma detonação nuclear acidental ou alguma outra catástrofe.

"Eu sou um que acredita que a crise já está aqui", disse ele.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Fonte: UOL
A.M

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